CARTA ABERTA A JESUS DE NAZARÉ

Amílcar Del Chiaro Filho

Meu querido Jesus de Nazaré. Perdoa-me a intimidade do tratamento, mas acredito que não possa ser de outra maneira. Nesta carta, Rabi, abro o meu coração, confiante no Teu amor. Segundo a cronologia do Evangelho, estamos a 2004 anos do Teu nascimento, e a minha intenção nessa carta não é a de questionar datas ou locais, porque já aprendi que é preciso que nasças no meu coração.

Mas permita-me, Mestre, recordar a bucólica Belém, (ou seria Nazaré?), com o seu casario baixo e a sua população pacata. Havia, em muitos outros lugares do mundo, palácios com salas revestidas de ouro e paredes de jade, famílias distintas pela cultura e poder, assim como, famílias de "iniciados" nas Doutrinas Secretas, que poderiam receber-lo em seu seio, mas preferiste o nascimento pobre, numa simbólica estrebaria, cercado por pastores e animais, embora não tenha faltado um coro de anjos, cantando a glória do Pai Altíssimo, que o enviou para uma missão.

A Sua educação simples, a única que estava ao alcance de uma família pobre, foram envolvidas pela magia do pensamento popular, contudo, quero encontrar-lo já homem feito, emancipado.

Depois do batismo nas águas do Rio Jordão, iniciaste a mais linda jornada de amor, que os homens da Terra jamais viram.

Bastava um olhar, um gesto, uma palavra, para que doenças se curassem, espíritos malfeitores abandonassem suas vítimas. Quantos se transformaram com seus discursos. Quantos tiveram curadas a sua cegueira moral, a lepra que lhes gangrenava a pele e a alma...

Quase dois mil anos, Rabi! Quase dois mil anos se passaram desde quando eu o ouvi pela primeira vez, e no decorrer deste período tão longo, lá atrás, na esteira do tempo, em alguma esquina do passado, fui pregador, sacerdote, ministro da Tua palavra, vergastando com o Teu Evangelho a conduta alheia, mas sem aplicar a mim mesmo um só til, uma só vírgula.

Quantas lágrimas vertidas nesta caminhada! Quanto sangue! Quantas vezes acendi a fogueira da intolerância, queimando corpos para salvar almas. Quantos criaturas encerrei em conventos, em monastérios, para tranqüilidade dos interesses dos pais ou responsáveis, sem perguntar se desejavam a vida monástica.

Neste ou naquele pensamento religioso, tive sempre as palavras nos lábios e o coração vazio de sentimentos. Hoje quero recordar, Mestre, os ensinamentos mais sábios e mais puros. Sobre o perdão, ensinaste: perdoai setenta vezes sete vezes. Sobre a inimizade, aconselhastes que fizéssemos as pazes com o nosso adversário enquanto estamos a caminho com ele.

Sobre a família, apontastes: Quem é minha mãe, quem são os meus irmãos senão aqueles que fazem a vontade de meu Pai? Sobre as curas doutrinastes: Os teus muitos pecados te foram perdoados. Vai e não peques mais.

Sobre a agressão física e mental aconselhaste a voltar a outra a face. No Sermão da montanha recomendaste que fôssemos humildes, pacíficos, mansos, justos, caridosos, para sermos bem-aventurados.

Sobre a reencarnação ensinastes que João era Elias. A Nicodemus disseste, aquele que não nascer de novo, não poderá ver o Reino de Deus. E sobre o Reino, afirmastes que ele está dentro de nós.

Quando perguntado sobre a caridade, contastes uma parábola: um homem seguia de Jerusalém para Jericó...

Sobre as dádivas, exaltaste a esmola da viúva que deu de si o que possuía. Sobre a nossa ansiedade pela vida, recorrestes à poesia para ensinar que as aves do céu não plantam, não colhem, nem guardam em celeiros...

Tirastes Lázaro de um túmulo de egoísmo e incentivaste Maria a ficar com a melhor parte, a parte contemplativa, mas dinâmica da Tua doutrina.

Onde coloquei todos esses ensinamentos? Onde me escondi quando o crucificaram? O que fiz deste testamento de luz, que me outorgava a emancipação do erro e do medo?

Hoje me fiz espírita, e através de Allan Kardec entendi melhor a vida. Hoje sei que sou imortal e serei perfeito um dia. Hoje compreendo melhor tudo aquilo que ensinaste, e sei que um dia serei um contigo, como és um com o Pai.

Ainda tenho nos olhos muitas escamas de ignorância, que me impedem uma melhor visão do mundo. Contudo, hoje eu O amo, Rabi, com todo o meu coração, e sei que me ama. Hoje não vendo, nem compro indulgências, mas ofereço um pouquinho de mim mesmo ao meu próximo.

Aproximo-me da manjedoura simbólica e reverente, beijo a Tua pequena mão, guardo a certeza que brevemente você nascerá em meu coração".